De perto, é difícil entender Guaramiranga e seu festival. É se afastar, para se dar conta de que a cidadezinha se agiganta. Dia desses, ali pelo fim de junho, a atriz Regina Duarte deu início às comemorações de seus 50 anos de carreira. O desafio para celebrar a data foi encenar e dirigir uma nova montagem: Raimunda, Raimunda, colagem de textos do piauiense Francisco Pereira da Silva (1930-1985). Na história dessa peça, a versão recente com a estrela de primeira grandeza soma-se à aventura do coletivo Harém de Teatro, de Teresina, que adaptou a dramaturgia em 1992 e inaugurou com destaque, um ano mais tarde, o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga.
Nesses quase 20 anos de história, Guaramiranga tornou-se uma referência para o teatro que a região tem produzido e, sobretudo, uma referência para o teatro que está por vir em nossos palcos. Principal vitrine da cena nordestina contemporânea, o Festival de Teatro de Guaramiranga tem seu nome escrito na trajetória de todos os principais coletivos e artistas que se despontaram regional e nacionalmente nos últimos anos. Clowns de Shakespeare, Bagaceira, Máquina, Dimenti, Angú, Magiluth, Ser Tão Teatro, Alfinim... A lista é farta. Toda essa contribuição, no entanto, não tem se traduzido em robustez para o evento, que, ano a ano, se fragiliza ainda mais.
Em 2011, o baque foi o fechamento do Teatro Rachel de Queiroz por conta de problemas graves em sua estrutura física. Agora, um corte sisudo no orçamento. Financiada quase que exclusivamente via Lei Estadual de Cultura, a mostra teve autorização de captação apenas de R$ 180 mil (o valor mínimo, nos anos anteriores, era R$ 300 mil). Resultado: uma redução profunda na programação. Assim, pelo menos desta vez, não teremos, como de costume, espetáculo convidado para a abertura nem para o encerramento, muito menos mostras e oficinas especiais. O 19º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga será o mínimo possível diante do que já foi. O que não é pouco.
Mostra Nordeste
Recorte principal do evento, a Mostra Nordeste reúne este ano nove espetáculos de seis diferentes estados. Em destaque, Bahia, que traz o solo documental Sebastião, de Fábio Vidal, e a montagem Ensaio de Casamento. Vidal é figura conhecida do festival e volta agora com uma criação que reafirma seu talento como ator, tendo como base o inusitado episódio do avião que caiu no interior da Bahia abarrotado de dinheiro. A Paraíba também vem ao Ceará com repertório duplo. O Coletivo Alfenim, de Márcio Marciano, apresenta O Deus da Fortuna; enquanto a Cia. Oxente apresenta Anáguas, texto da célebre dramaturga Lourdes Ramalho.
O Ceará também teve dois espetáculos selecionados. Criaturas de Papel, do Bricoleiros Teatro de Bonecos, divide com Quando as galinhas gemem, do Grupo Teatro em Película, o desafio de representar a nossa cena. Em Quando as galinhas gemem, de Rafael Barbosa, vale destacar a presença de Adauto Garcia no elenco, ator que Guaramiranga já aplaudiu tantas vezes e volta a reencontrar. Completam a lista, a versão de A Lição que vem do Rio Grande do Norte, com direção do talentoso Rogério Ferraz, outro nome que já recebeu muitas palmas em Guaramiranga; Vater, da Drão Teatro da (In)constância, do Maranhão; e Cinema, parceria dos pernambucanos do Espaço Muda com os mineiros da delicada Cia. Clara de Teatro. Bem menor do que já foi, uma coisa é certa, ainda não vai ser desta vez que a programação do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga vai cair na indiferença.
SERVIÇO
Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga
Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga
Quando: de 8 a 15 de setembro em Guaramiranga.
Programação gratuita
Outras informações: (85) 3321 1405 ou fntguaramiranga
Bate-pronto
Luciano Bezerra, presidente da Associação de Amigos da Arte de Guaramiranga
O POVO – Você diria que esta edição foi a mais delicada de ser feita?
Luciano Bezerra – A segunda e esta décima nona foram as mais difíceis. O festival nasce em 1993 e não consegue se viabilizar em 1994. Em 1995, a gente volta de um hiato. Ali também foi muito difícil, porque a gente teve que reavivar todo o movimento que fez o festival surgir. Apesar disso tudo, foi uma edição muito simbólica, porque foi quando a Associação de Amigos da Arte de Guaramiranga assumiu a gestão e a realização do evento. Em 2012, a grande complexidade é o financiamento desse evento. Hoje, o festival é feito exclusivamente através das leis de incentivo e só conseguimos autorização para R$ 180 mil.
OP – O maior problema do festival é se viabilizar financeiramente?
Luciano – Nosso problema é financeiro, criatividade não nos falta. Ano passado, por exemplo, quando o Teatro Rachel de Queiroz estava com problemas de estrutura e não pode ser utilizado, nós nos reinventamos e propusemos uma edição para as ruas da cidade. Então, há sempre novas possibilidades, desde que a gente tenha recursos suficientes para isso. Historicamente, o festival teve um orçamento em torno de R$ 300 mil e, em vez de aumentarmos essa margem, estamos é diminuindo. O que é pior é que isso gera dívidas que se transformam numa bola de neve. Estamos fazendo a edição de 2012 com muito menos dinheiro do que sempre tivemos e, o pior: devendo ainda boa parte da edição de 2010, por conta de problemas burocráticos com o Governo.
OP – Vocês chegaram a cogitar não realizar esta edição e voltaram atrás. Por quê?
Luciano – Porque a força deste festival é maior que todos os seus problemas. São 20 anos de história que se impõem e merecem reconhecimento e respeito. Eu, particularmente, como gestor, fico desanimado, mas entendo que Guaramiranga não pode parar. Sobretudo, pela história vitoriosa que tem. O festival tem perdido incentivo e contrapartida local nos últimos anos, mas não perdeu sua visibilidade e sua importância. Eu acredito que, se a gente conseguir ampliar o leque de captação de recursos e se profissionalizar mais na sua produção, o festival pode, sim, voltar a ter edições tão fortes quanto as que teve no passado.