segunda-feira, 12 de setembro de 2011

FNT Guaramiranga - Teatro como missão

Celso Nunes

DN - Publicado em 12 de setembro de 2011
O professor Celso Nunes, doutor em estratégias de direção teatral, é um dos pesquisadores convidados do 18º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga. O paulista que, em 2012, completará 70 anos de idade e 50 de teatro, tem uma relação estreita com a cena teatral cearense. Durante entrevista ao Caderno 3, nas acolhedoras mesas redondas do Mosteiro dos Monges Capuchinhos, agora Pousada Gruta, relembrou amigos, falou de teatro nacional e analisou diversos aspectos do Festival de Guaramiranga, que começou dia 3 e encerrou suas atividades no último sábado

Qual sua análise da 18ª edição do Festival de Guaramiranga?
Veja bem, 18 anos de um evento, ininterruptos, é muita coisa. Acho que essa é uma peteca que não cai mais, porque trocaram gestões políticas e o município continuou acolhendo o evento, isso é uma constante que existia na época que eu vinha e existe atualmente. O que não existia, e hoje tem, e é unanimidade, é a qualidade do suporte técnico. Porque cada grupo chega com suas características, suas particularidades e eles estão se virando para atender a todos.
E quanto ao Teatro Municipal que está fechado?
É, por outro lado, tem questões que são completamente incompreensíveis, e que tenho dado exemplo nos debates aqui do Festival. Uma cidade que recebe há 18 anos um festival de teatro e não tem teatro, é o mesmo que uma cidade que recebe um jogo da Copa do Mundo e não tem estádio. Não dá.
E os espetáculos apresentados no Festival esse ano?
Olha, acho que nosso País evoluiu muito nos últimos 20 anos. Sinto essa diferença de modo geral, no Brasil, não acho que é uma característica do Ceará. Há uma multiplicação significativa de tendências. Você tem hoje coisa que há 20 anos nem se cogitava. Tem um teatro em São Paulo que só faz musicais e emprega atores-cantores. Na minha época, para um ator ser cantor era uma raridade. Hoje tem escola de canto para atores que vão trabalhar em musicais. Por exemplo, o espetáculo que veio de Fortaleza, do Plínio Marcos, o "Abajur Lilás" (Grupo Imagens), ele pode ser apresentado em qualquer cidade do mundo, como uma realidade brasileira que é. Esse "Auto da Folia de Reis" (Grupo Corpos Teatro Independente do Piauí) pode ser apresentado na Rússia, na Polônia, na América do Sul, em Nova York; é totalmente autêntico, sincero, alegre, verdadeiro, bonito, há o que apreciar ali dentro. Isso é sinônimo de progresso. Nos Festivais de Guaramiranga anteriores, isso não chegava perto. Tinha diversidade, mas também tinha precariedade.
Por conta do teatro fechado, os espetáculos aconteceram em diferentes pontos da cidade. Em sua avaliação, isso interfere de algum modo?
Acho que limita a mostra. Porque tem certas naturezas de espetáculo que não podem ser convidadas, porque não tem espaço que receba. Enquanto se fizer circos, folias, festas populares, festas regionais, acho que tudo bem. Mas, por exemplo, aquele espetáculo que os gaúchos apresentaram na quarta-feira, "Dentrofora" (Grupo In.co.mo.te-te), no Teatrinho. São duas caixas, o marido e a mulher dentro delas, mostrando o isolamento do ser humano. E uma das paredes da caixa é de acrílico, para o público ver os atores. Você não vê um refletor pegar em nada, a luz é toda escondidinha por trás das paredes da caixa. Isso não dá para apresentar em praça pública, não tem jeito. Por sorte, foi para o Teatrinho. Mas porque uma peça só de dois atores? Porque muita gente não caberia no palco do Teatrinho! Isso tudo, enquanto existe um teatro com 400 lugares, com uma relação palco-plateia muito boa.
O senhor já morou aqui no Ceará, correto?
A primeira que vez que vim para cá foi em 1999, como convidado para dar cursos via Colégio de Direção Teatral, do Dragão do Mar, fiquei uns seis meses. Os alunos diretores praticavam com alunos atores. Os atores também passavam por um aprendizado muito longo. Ali tive um grupo de diretores que vieram (à Guaramiranga) me assessorando na montagem de um grande espetáculo, "Os Iks". Ao mesmo tempo em que esses diretores davam assistência para essa montagem grande, aprendiam com minha direção. Essa foi minha primeira vinda, depois voltei ao colégio de direção para preparar uma nova leva de diretores. Depois, por questões políticas, o Colégio de Direção foi desativado, mudaram os quadros de governo, daí não vim mais a Fortaleza. Mas aquela gente, daquela época, ficou com a experiência muito bem registrada.
Muitos deles estão na ativa. Vocês mantêm contato?
Vários, tenho contato com muitos deles. Essa semana mesmo, alguns vieram até Guaramiranga só para me encontrar. Tem o Sidney Malveira, que foi trabalhar com o grupo do Carlos Miranda, o Pedro Domingues, que está em Brasília, Wellington Roncon, Juliana Carvalho, que é atriz do cinema cearense, Ceronha Pontes, que está no Recife, Danilo Pinho, que está fazendo pós-graduação na UFBA, o irmão dele, Sidney Souto, que faz teatro em Fortaleza. Lá em Salvador, estão o Igor Epifânio, o Rodrigo Frota, que, aliás, é considerado hoje o melhor cenógrafo da Bahia, foi aluno aqui, do Curso de Direção. Lá em São Paulo está o Auri Porto, trabalhando no Teatro Oficina, atualmente em cartaz com "O Idiota", de Dostoiévski, também o Monteiro Junior, que era palhaço e Papai Noel de shopping, e hoje é professor de técnicas circenses na Unicamp. Tem muito mais gente boa daquele tempo. Mas, há uns 20 anos, antes dessa galera, vim para cá e trabalhei no Departamento de Cênicas da UFC, onde estavam B.de Paiva, Betânia Montenegro e outros. Na verdade, gosto muito daqui, do cearense, é uma coisa de afeto mesmo. Minha relação com Guaramiranga é de coração.
Seu filho, o ator Gabriel Braga Nunes, é destaque nessa nova safra de atores. O senhor começou como ator ou diretor?
Eu não pensava em fazer faculdade, era filho de operários, eu próprio era operário, e fui encaminhando para cursos profissionalizantes. Em vez de fazer o que na época chamava ginásio, fiz auxiliar de escritório. Em vez de científico ou clássico, que seria o colegial, fiz Contabilidade. Com 18 anos já era contador profissional. Daí, comecei namorar uma moça espanhola e ela adorava teatro. Um dia me disse: ´vamos ao teatro?´ E eu disse: ´que é que é isso?´ Nem sabia o que era, nunca tinha visto um, nunca tinha assistido nada que não fosse cinema de Hollywood, e ainda nem existia televisão. Eu disse: ´me leva que eu vou´. Era uma peça americana chamada "O Panorama visto da ponte", de Arthur Müller, e tinha uma família de operários em cena, que morava sob uma ponte e ficava vendo Nova York do outro lado, sonhando um dia poder morar na cidade. Eu pensei: ´se eu entrar lá, posso continuar falando o que esse cara está falando. É isso o que nós falamos em casa todo dia´. A sensação que eu podia fazer aquilo foi imediata e pensei: ´será que existe escola para ensinar a gente a fazer isso?´. E descobri que tinha uma Escola de Artes Dramáticas em São Paulo. Era início da década de 60. Entrei para esse curso e minha vida começou a virar. Depois ganhei uma bolsa e fui para Paris, estudar na Sorbonne e nunca mais fui o mesmo.
E voltou já para ensinar na Universidade de São Paulo (USP)?
Em Paris tive uma experiência fantástica com Grotowski (diretor de teatro polonês, Jerzy Grotowski - 1933-1999), ele tinha explodido para o mundo, mas, quando voltei, nem sabia que ele estava tão famoso. Quando disse que ele tinha sido meu professor, aí a USP me pegou na hora. Naquela época, estavam criando a pós-graduação e o crítico Sábato Magaldi me ofereceu uma vaga no mestrado, para ser meu orientador. Parecia que eu tinha bebido na fonte de uma determinada água que todos queriam saber qual o efeito. E comecei a trabalhar na USP. Depois fui para o doutorado, tudo ligado ao teatro, mas sempre do ponto de vista dos treinamentos. Minha vida inteira está dedicada ao teatro, é missão. Acredito que quando o sujeito precisa fazer uma coisa, não há o que impeça.
NATERCIA ROCHA
ENVIADA A GUARAMIRANGA
DN

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